terça-feira, janeiro 11, 2011

Qualintéfaro e o dilema do ouriço

Nevava sem parar há dias na paisagem incógnita que Qualintéfaro explorava, apanhado de surpresa pelo inusitado nevão. A sua situação era desesperada: andava aos caídos, enregelado e esfomeado, sem vislumbre de arbusto ou baga ou erva que pudesse trincar, ou fera que pudesse caçar. Vinha já sendo tentado por medonhas alucinações, qual Santo Antão psicadélico, acossado pelo acre bafo da Morte, quando vislumbrou uma pequena reentrância sob as raízes torcidas de uma árvore há muito morta. No limite das suas forças, decidiu nela abrigar-se e esperar a morte em relativo conforto.
Ao aninhar-se no espaço exíguo entre o solo e as raízes levantadas, foi com enorme espanto que constatou que uma família de ouriços-cacheiros haviam ali feito o seu ninho, todos enroscados numa massa compacta de espinhos ao ar. Qualintéfaro compreendeu que tinha ali a sua única oportunidade de se aquecer, encostando o seu corpo ao dos ouriços e partilhar do calor que os seus corpos emanavam. Mas mal o fez – pobre Qualintéfaro! – a sua pele tenra, ainda mais pelo frio, agonizou com a dor provocada por mil agulhas sendo espetadas, e com um Ai! o seu corpo se afastou num impulso.
Por mais que tentasse, Qualintéfaro foi incapaz de encontrar uma posição que lhe permitisse encostar-se o suficiente para derivar algum conforto, entre o frio do exterior e as picadas dos espinhos. E foi com pensamentos de desolamento que ali adormeceu, abraçado a si próprio, no chão frio da estepe.

A moral da história? Quando neva faz frio, estúpido.

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