quarta-feira, outubro 13, 2010

Qualintéfaro e o Coleccionador de Azares - Parte 2

Apanhado desprevenido, Qualintéfaro estava a ser humilhado por um pequeno e velho macaco de seu nome Zintólas.
As máquinas deste macaco despiam-no e roubavam-lhe todos os seus pertences. E o macaco ria-se.
Mas extraordinariamente, as máquinas passaram a medi-lo e a calculá-lo. E de repente, roupas maravilhosas apareciam pelo meio dos braços mecânicos e passaram a vesti-lo.
O seu relógio, que tinha deixado, por preguiça, de contar o tempo, tocava agora os segundos com nova força. A sua mochila que apresentava anos de uso, era substituída por uma bela e robusta mochila de cânhamo. O seu saco-cama remendado, o seu chapéu sacudido e as suas botas limpas e polidas, remendadas e com nova sola.
Estava espantado com tal celeridade, qualidade e hospitalidade.
Assim, depois de pousado pelas máquinas, parecia um homem novo.
- Como?... Porque fez isto? - perguntou Qualintéfaro ao macaco.
- Faço o que posso por quem me visita. Digamos que é um acto de redenção.
- Hum... Pois farei algo por si também. Infelizmente é a única coisa que posso fazer, espero que ajude: conte-me a sua história para que nas minhas crónicas seja lembrado para toda a eternidade.
O macaco levanta a sua bengala da mesa onde estava "espetada" e todas as máquinas desaparecem como por magia, escondendo-se no meio das outras mil geringonças e móveis estranhos que preenchiam a tenda.
- Acho que pode ser. Contar-lhe-ei a minha história e espero que um resultado prático ocorra... Está a ver aquele baú? Pois no seu interior estão fechados todos os azares com que me deparei ao longo da minha longa vida. Eu sou um coleccionador de azares.
- Como é possível armazenar azares? - pergunta incrédulo Qualintéfaro - Não é o azar algo abstracto?
- Hum.. - responde Zintólas - pois é capaz de ter razão.
O macaco começou a afastar-se em direcção ao baú. Este estava coberto de um emaranhado de cordas e de roldanas como uma capa de algodão gasta e demasiado remendada. Ao aproximar-se, puxa uma das cordas e um guinchar estridente solta-se em uníssono quando as roldanas começam a mexer-se. A tensão era enorme, a tampa do baú gigantesca e ferrugenta.
No final daquele acto medonho, que mais parecia a matança do porco, o baú apresentou-se aberto para os dois senhores.
Após alguns segundos de silêncio, enquanto o pó assentava, começou a ouvir-se um pequeno oboé... e depois um quarteto de violinos, a seguir violoncelos, e de novo os sopros com trombetas e trombones. Uma imensa orquestra tocava para os ouvintes.
Qualintéfaro aproximou-se mais e deparou-se com uma verdadeira orquestra, de macacos de dar à corda. Pequenas maquinetas tocavam a mais bela das melodias e o nosso herói ficou pasmado.
- Mas.. como é possível??
- Está a ver este aqui? - Zintólas pega no maestro, que não deixou de gesticular mesmo pendurado no ar. - Este foi o meu primeiro azar. Era eu um jovem macaco, em busca de uma parceira para acasalar. Ia-me declarar naquele dia, quando uma tempestade levou a minha amada. Nesse dia fiz o meu primeiro macaco de dar à corda. E nele está impregnado o cheiro à chuva daquele dia.
Quanlintéfaro olhou para toda a restante orquestra, imaginando os azares pelos quais aquele venho macaco tinha passado. E a sua mente divagou por momentos para os seus próprios azares e como tinha lidado com eles.
Ficou mais um bom bocado a ouvir as histórias de Zintólas, escrevinhando tudo o que ouvia, e no fim agradeceu a incrível hospitalidade que lhe tinha sido oferecida.
Ao afastar-se da tenda do macaco, não deixou de imaginar como seria o mundo se toda a gente tivesse a sua orquestra para contar através da melodia a sua vida.

Moral da história:
Se um macaco nunca vem só, pelo menos que toque música.

Anónimo

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