sexta-feira, maio 21, 2010

Qualintéfaro e os Gatos

Numa extremosa noite de verão, Qualintéfaro aproveita para calcorrear alguns caminhos pouco antes percorridos.
Nos inícios ainda via civilização, passando por um mendigo contente e por um empresário triste. Não parou para pensar na inerente estranha beleza.
Passeou mais um pouco parando então para tomar uma pequena ceia que tinha trazido.
Eram sandes de atum. Fica incrédulo quando aparece um primeiro gato.
Qualintéfaro estava sentado num banco, numa subida inclinada, frente a uma casa branca, bastante agradável, se não estivesse tão próxima da estrada. Um único lampião laranja iluminava a cena.
Qualintéfaro dá uma dentada feroz na sande, vendo nos olhos do gato uma perplexidade e tristeza incomparável.
Sentindo a infelicidade do pobre bicho, parte um pouco da sandes e oferece-lhe.
Animado, o gato malhado aproxima-se. À luz, o seu pêlo brilha tons de cinzento e preto.
Agarra-se ao pedaço de pão com atum e um pouco de maionese, e após lamber todo o interior da mini sandes, vira-se para Qualintéfaro e avisa-o:
- Como foste amigo, vou-te avisar do que te espera. Algo de mau vai-te acontecer enquanto percorres este caminho. Tem cuidado.
E foge.
De facto mais à frente, Qualintéfaro tropeça e caí, raspando um pouco o joelho.
Não dando valor a tal acaso, continua o seu passeio. Avança meditando nos pormenores das coisas que o rodeiam, sem dando valor nem significância, muito menos definição ao que absorve. Tudo é único na sua existência. Tudo tem a sua beleza, mesmo aquela calha que vê entre arbustos, por onde cai a mais leve corrente de água.
Pára ali para devorar mais uma sandes, a farta merenda permite-lhe o obséquio.
Assim que dá uma dentada, outro gato aparece. Este de pêlo dourado. Com focinho feliz e cauda arrebitada, aproxima-se, cheirando o atum.
Qualintéfaro permite-lhe umas lambidelas, e o gato afirma:
- Como foste amigo, vou-te avisar do que te espera. Algo de mau vai-te acontecer enquanto percorres este caminho. Tem cuidado.
E foge.
Agora, Qualintéfaro já vai mais cuidadoso, duas vezes acontecer o mesmo torna a viagem enigmática.
Mas mesmo cuidadoso, leva com uma caganita de pássaro no seu colete preferido.
Agora chateado, avança com mais precaução, preocupado com o que lhe pode acontecer. Já não admira tanto a vida, e avança olhando não para o acaso, mas para as possíveis consequências do acaso.
Mas em breve sente-se tentado a parar outra vez, a vista é maravilhosa, e dali consegue ver todo o vale onde a sua humilde casa repousa.
É então que mais um gato aparece, e o processo repete-se. Novamente o gato avisa-o e novamente algo mau acontece a Qualintéfaro.
Mesmo assim, ele continua a sua caminhada, às vezes rabiscando versos de protesto, outras vezes lançando punhos ao céu, mas sempre parando para comer sandes de atum, sempre sendo avisado e sempre sofrendo com os avisos.
Enraivecido, e sem sandes de atum, volta para casa. Mas em frente a casa, já prestes a entrar no seu alpendre, um gato aparece. Aí a sua raiva solta-se:
- Parem de me avisar, estou farto de sofrer as consequências dos vossos augúrios! Augurem coisas boas! Façam-me esperar uma vida prazenteira sem estes estúpidos acasos e más sortes!
- Meu Sr. - diz o gato - vá masé trabalhar!

Moral da história: Se a vida é fodida, não passeies, deixa alguma coisa feita.

Anónimo

0 comentários: