segunda-feira, janeiro 25, 2010

no dia em que abismo se abre

No dia em que o abismo se abriu e o odor da saudade entupiu as narinas dos vivos, e o cheiro a ranso e a pestilência se soltou no ar, eu vi-te, perdida. Deambulavas por planícies fétidas e de verdes-pântano.
Nesse dia finalmente senti o raio de energia de quem sabe que está vivo, e guarda no seu coração a arte de viver. As barreiras de inveja e timidez quebraram-se como as paredes do vidro arcaico que são. Os meus olhos largaram as vestes de vazio e finalmente, ao verem-te, brilharam. Exalaram sentimento pela primeira vez, como um recém nascido grita "Vida" pela primeira vez.
E o rugido dos meus antepassados ergueu-se do chão, chamando-me para eles, e o meu carinho por eles era quase tão forte como o desejo de sentir o teu toque.
A indecisão pérfida atacou como uma horda de gigantes cegos em debandada na direcção da minha mente. E não soube chamar-te, nenhum som me saiu da boca, que parecia fechada, atada, cosida com fios de ferro.
E não soube segurar-te, agarrar-te e esperar que a tua luz afastasse a vontade de descer aos confins do Universo, ao fim, ao lugar para onde todos vamos na nossa constante busca pela eternidade.
Pois todos somos descobridores na hora final, e todos, em medo, damos o salto de fé, esperando que para além do chão esteja outro chão, onde pousar os pés descalços e comidos pelos vermes.
E tu... que não me viste, ou não quiseste ver, não passas dessa Deusa, que tudo ofereceu, e que a tudo deu vida, e que ainda hoje castiga os seus filhos.

Anónimo

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